domingo, 6 de abril de 2014

O Fazer/Pensar Arte Contemporânea no Ensino da Arte: ação performática O Peso Sem Água.

Imagem: Jailton Santóz

“Não há performance, sem performance.” John MacAloon

Por Jailton Santóz
Idealizado por Alexandra Moura,
Adelina Rebouças e Diana Magnavita.
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O Fazer artístico na contemporaneidade tem ganhado cada vez mais um distanciamento entre arte e matéria/ arte e objeto. Desde a influência da Pop Art no Brasil por volta década de 1960 que a nossa arte se aproxima de um conceitualismo adaptado às culturas predominantes. No início desta década prevaleceu o Abstracionismo Geométrico nas artes visuais, apropriando-se de formas geométricas, cores inusitadas e um tanto de racionalidade, como se o objeto da arte fosse necessariamente evidente em sua proposta expressiva, fazendo com que este fazer no Brasil tivesse uma característica própria em relação às produções externas.

Como reflexo desta prática imediatista, o ensino da arte nas escolas de ensino formal e não formal, mesmo após uma ou mais de uma década, privilegiou estas características no fazer artístico como um fator de grande relevância, substituindo o ensino da arte pelo ensino do desenho geométrico, pois esta seria uma abordagem mais “séria” e os conteúdos próprios da arte fluiria de forma fútil e sem valor. Sem dúvida alguma, as práticas utilitaristas do desenho geométrico no ensino da arte, conhecido como “Educação Artística” se deu por meio deste processo, compreendendo o fazer arte de forma a obter resultados, pensando prioritariamente numa arte servil e lucrativa.

Na contemporaneidade após as diversas transformações no ensino da arte, por parte da luta de arte/educadores, dos teóricos da área, do movimento Arte/Educação que as novas leis e parâmetros educacionais modelaram o ensino artístico a uma sistematização muito mais coerente e frutífera, fazendo com que o nosso ideal contemporâneo de fazer/pensar arte dialogasse com o seu ensino nas escolas.

Fazer/pensar arte contemporânea nas escolas é de extrema relevância para a arte/educação, compreendendo a real educação artística por meio do que realmente é arte. Não se podem ocultar as abordagens cognitivas sobre arte contemporânea conceituando-a previamente como uma aprendizagem inalcançável pela sua “complexidade”, mas propiciar formas de conhecer nas práticas pedagógicas que contextualizem a arte de antes e a arte de hoje, acreditando nas mudanças como lapidações, progressos, transformações.

Neste texto, procuro fazer um paralelo entre o ensino da arte e o fazer artístico contemporâneo, tendo como exemplo uma ação performática desenvolvida num curso de pós-graduação em Arte/Educação com três artistas, colegas de curso. Este trabalho trata-se de uma ação performática tendo como abordagem a consequência do desperdício de água, intitulado como O Peso Sem Água.

O Peso Sem Água surgiu de um desafio de transformar a matéria em discurso. O grupo formado por quatro artistas, três baianos e uma paulistana: Jailton Santóz, Adelina Rebouças, Diana Magnavita e Alexandra Moura encontrou algumas barreiras pelo caminho percorrendo a ideia desta transformação. Ao falar em propostas com garrafões de água, de imediato os códigos de ligações nos remeteram ao ideal de sair do mero contexto de garrafão de água a lidar com um discurso que a cada dia se torna mais preocupante na sociedade contemporânea, pois compromete a vida. Referimo-nos ao uso indevido da água ou mesmo os exageros do seu uso no cotidiano. Estamos gritando neste trabalho por conscientizações em relação ao que poderá se tornar o mundo – sem água. Repensamos dentre os lances de ideias sobre diversos fatores de mau uso da água do nosso dia-a-dia e foi refletindo nestes contratempos que pensamos em unir arte e protesto por meio de um discurso unindo conceito, corpo e ação.

Esta ação performática apropriou-se de instrumentos comuns como garrafões de água, pedras, papeis, folhas secas, tecido... Buscando na matéria o vômito expressivo da ação de chocar o espectador, fazer ruídos, gritos, suspense e silêncio. De convidá-los ao temor, de mostrar-lhes uma possível visão futura, de dar-lhes um peso... O PESO SEM ÁGUA.

Este trabalho é parte integrante da avaliação da disciplina de Laboratório de Arte-Educação do curso de especialização em Arte-Educação: culturas brasileiras e linguagens artísticas contemporâneas da Universidade Federal da Bahia, coordenado pelo professor Dr. Ricardo Barreto Biriba e ministrada pela professora Me. Elizabete Actis.

Tudo começou num discurso sobre o uso de garrafões de água. Pensando de que forma poderíamos explorar essa matéria e relacionar a uma produção artística. Pensamos em desenvolver uma instalação, levando em consideração o mais uma vez o olhar para a matéria, por um imediatismo à apropriação das artes visuais, porem as ideiam se amplificaram quando concluímos que seria uma ação performática, unindo artes visuais, movimento, encenação entre outros. Ao discutir o que seria posto nas garrafas concluímos que buscaríamos diversos materiais, representando as diversas formas de má utilização da água no cotidiano. O uso do tecido azul também foi uma escolha que fez alusão à água, dialogando com o azul dos garrafões. O tecido foi usado principalmente como um veículo de aprisionamento, de desconforto, de aperto, tornando os gritos e movimentos corporais agressivos um veículo de comunicação e expressão. O barulho da água utilizado na ação buscou despertar no espectador uma espécie de ponto de chegada, de alvo, de alivio, para a dor do peso que a todo instante gritou por água.

Em relação aos ensaios, tudo foi muito tranquilo. Como todo ensaio é sempre devocional, buscamos estar tranquilos e dispostos a errar e acertar. Nossas expectativas foram as melhores, a cada nova fase descobrimos novos caminhos para expressar com muita seriedade e criatividade o nosso trabalho. As relações interpessoais foram como se fossemos amigos de muitos anos, pois a energia foi muito positiva e acreditamos que a força deste fazer foi propícia a esta relação. Não teria sido possível desenvolver um trabalho de qualidade se o grupo não tivesse tido o comprometimento e a compreensão que teve em relação ao respeito a opinião do outro e abrir mão de suas individualidades. Houve conflitos, especialmente nos ensaios, quando as divergências de propostas foram à tona, mas a nossa unidade e profissionalismo foram suficientes para não ter deixado com que a emoção superasse a razão, buscando exemplificar diferentes formas de utilização dos recursos e propostas, levar em consideração que estávamos mesmo no ensaio e que tudo ali seria proveitoso. E assim chegarmos a um consenso em que todos participaram ativamente desde a construção teórica da ação performática ao momento de apresentação.

Antes do grande momento nossos corações estavam a “mil por hora”.  A chegada do público na sala em que foi feita a ação aumentava a nossa emoção, acreditando que faríamos um bom trabalho, depois de tantos ensaios e dedicação.

A ação foi responsável pelos olhares curiosos, dos possíveis questionamentos acerca do que estaria para acontecer, do estranhamento e da expectativa bem visível das pessoas que assistiram.

Partimos inicialmente da organização do espaço para o trabalho, tanto no que se refere ao local a ser apresentado, quanto a organização do corpo performático que foi formado pelos quatro artistas. A representação da fonte, foi vivenciada por Alexandra Moura, Jailton Santóz representou o público atento e curioso, Adelina Rebouças representou um obstáculo significativo na aplicação de força física e Diana Magnavita incorporou a dor do peso, aos berros e a irreverência de alguém que sente dor, que sente peso. O peso sem água.

Podemos dizer com toda certeza que foi uma experiência incrível. Tanto na relação de unidade recíproca, profissionalismo, quanto na experiência artística. Envolver códigos expressivos, protestar com ações criativas, sem dúvida alguma foi o melhor caminho a ter seguido ao longo da infinidade de possibilidades que poderíamos ter explorado.

Que se estabeleça cada vez mais o potencial do ensino da arte nas escolas, promovendo o fazer/pensar arte não como uma arte servil, mas como um recorte da cultura ampliadora de novos horizontes, de experiências e aprendizagens na formação humana e social das pessoas.

Agradecemos ao professor Ricardo Barreto Biriba pela iniciativa do curso de Especialização em Arte/Educação, a professora Elizabete Actis pela atenção, profissionalismo e aos nossos colegas pelo apoio e aplausos.