MALFATTI, Anita. O Torso. Carvão e pastel s/ papel, 61 x 46,6 cm. 1915/
1916
Por Jailton Santoz
"Comprei
incontinente uma porção de tintas, e a festa começou". Anita Malfatti.
No Brasil, em pleno século XXI constata-se que muitas pessoas
ainda desconhecem o sentido poético e histórico da arte moderna e
contemporânea. A questão é que a visão sobre o belo e obra de arte não se
distingue na visão de muitos, o problema é que o reflexo da história da arte em
torno do movimento impressionista, renascentista, realista em muitas situações
ainda é atualidade na mente dessas pessoas, ou seja, o olhar para a estética,
para a técnica, para os padrões de beleza, como na arte grega visando à cópia
fiel do real, desconhecendo o lado conceitual, cognitivo, cerebral que uma obra
de arte apresenta em sua proposta a partir do seu objeto pronto. Sobre tal
reflexo vivenciado por muitas pessoas este texto vem destacar o exemplo da obra
de Anita Malfatti e a visão de Monteiro Lobato que é bem direcionado ao que
estamos propondo nesta discussão.
Anita Malfatti nasceu em São Paulo no ano de 1889, filha de
um italiano e uma norte-americana. Na sua fase adulta foi estudar pintura na
Europa e Estados Unidos por volta de 1990 em tempos da arte moderna na Europa.
Anita busca sua expressão visual a partir de tendências expressionistas,
modernas, coisa que no Brasil ainda não havia acontecido. Logo de volta ao
Brasil em 1914, com 24 anos de idade resolve expor seus trabalhos, o chamado
“Exposição Malfatti” que acabam se distanciando dos métodos clássicos que a
sociedade brasileira principalmente paulistana tinha como “obras de arte” a
partir da visão antimodernista de Monteiro Lobato que também era crítico de
arte, que escancarava que esta nova tendência na arte nada mais era que um belo
horror. Fruto do desconhecer a valoração da arte moderna, fruto do
desequilíbrio que essas mudanças conceituais causaram.
Monteiro Lobato por sua vez critica a exposição de Malfatti
no artigo “Paranoia ou Mistificação?” publicado no jornal O Estado de S. Paulo
em 20 de dezembro de 1917, provocando a polêmica que afastaria os seus
seguidores modernistas.
“Há duas espécies de artistas. Uma composta dos que vêem
normalmente as coisas(..) A outra espécie é formada pelos que vêem anormalmente
a natureza e interpretam-na à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica
de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva.
(...) Embora eles se dêem como novos, precursores de uma arte a vir, nada é
mais velho do que a arte anormal ou teratológica: nasceu com a paranóia e com a
mistificação.(...) Essas considerações são provocadas pela exposição da
senhora. Malfatti onde se notam acentuadíssimas tendências para uma atitude
estética forçada no sentido das extravagâncias de Picasso e companhia”.
Resultado: rejeição da elite paulistana aos trabalhos de
Anita. O estado confiava cegamente nas opiniões e gostos pessoais do autor de
Urupês, e de forma imediata causou: escândalo, quadros devolvidos, uma
tentativa de agressão à pintora, a mostra é fechada antes do tempo.
Ao passar do tempo os meros rótulos de modernismo no Brasil
influenciados por “Lobatinho” foram se desmistificando, a exposição de Anita
Malfatti funcionou como uma bomba de um movimento que explodiu na Semana de
Arte Moderna de 1922 fazendo acontecer uma modernidade na arte mais livre,
expressiva, conceitual e poética.
Tudo isso é muito lindo de ver. A arte tomando o seu mais
belo rumo juntamente com a linha que o percurso da história desenha a todo
instante.
Confira abaixo algumas obras:
A boba. 1915-16. Óleo s/ tela
(61x50,5). Col. Museu de Arte Contemporânea da USP, SP.
O Farol. 1915. óleo s/ tela
(46,5x61). Col. Chateaubriand Bandeira de Mello, RJ.
Itanhaém. 1948-49. óleo s/ tela (72x92). Col. Manuel Alceu
Affonso Ferreira, SP.