O Processo Artístico
Pedagógico nas ONGs
Márcio
Prado Galvão de Souza [1]
Prof.ª
Ieda Oliveira[2]
Universidade
Católica do Salvador
Resumo: O artigo aborda a elaboração e
execução do Processo Artístico Pedagógico em ONGs, ressaltando e identificando
a relevância do mesmo tanto para a comunidade de ensino formal baiana e
brasileira quanto para os profissionais do ensino não-formal. Através de pesquisa
bibliográfica e exploratória foram percebidas e levantadas diversas questões
sobre o tema e percebeu-se que existe a falta de diretrizes básicas para se dar
início a esse processo de implementação do ensino de Artes em ONGs e foi
observado também que as pesquisas sobre essa temática não estão muito
desenvolvidas, pois apenas um pequeno número delas exploraram esta temática.
Palavras-chave: Artes, ONGs, Ensino/Aprendizagem de
Artes, Arte-Educação.
1. Introdução
É facilmente observada nos últimos anos a
grande expansão no país, do número de ONGs que buscam integrar socialmente
crianças e adolescentes em situação de risco, mas é importante ressaltar o fato
de que os inúmeros projetos que visam integrar essas crianças e adolescentes
tem um ponto em comum. Praticamente todos têm nas linguagens artísticas o eixo
fundamental no qual estruturam suas atividades, que é nosso objeto de estudo
nesse artigo.
Tendo em vista esse processo de criação de
uma ONG e a inclusão frequente de atividades artísticas nas propostas
pedagógicas de projetos de diversas ONGs, surgem alguns questionamentos como,
por exemplo: Como a arte contribui para que ela possa cumprir seus objetivos?
De que forma e de acordo com que, é feito o planejamento das Oficinas nas ONGs?
O que caracteriza o processo Artístico-Pedagógico nas ONGs? Por que essas
instituições valem-se do ensino de Arte como propósito de promover os direitos
do seu público-alvo?
Esses e outros questionamentos que foram direcionados
para as duas ONGs com mais de dez anos de existência no contexto urbano de Salvador,
sendo elas a ASFRAS – Associação Fraterna Ronda da Solidariedade e a Associação
do Projeto Balança Black Show, poderão nos propiciar conhecer, identificar e
analisar sobre as diretrizes usadas por elas e assim contribuir para uma maior
reflexão sobre esse aspecto.
Se por um lado o ensino de arte vem sendo
considerado como um dos componentes fundamentais nas ações desenvolvidas pelas
Organizações não governamentais, por outro, apesar da significativa presença da
arte nessas organizações, pouco se vem discutindo sobre essa prática formativa,
sendo esse um dos intuitos desse artigo.
Carvalho (2005) é uma das pesquisadoras que
tem se dedicado a esse estudo porque ela fala que:
|
O artigo está dividido em
diversas partes. Na primeira foi feita uma breve abordagem sobre Organizações
Não Governamentais e identificação das organizações escolhidas. Na segunda
parte é apresentado o ensino de Artes e suas atribuições para o terceiro setor,
Na terceira é feita a abordagem e a contextualização da ONG com a comunidade na
qual ela está inserida, depois um retrato do aluno em que poderemos conhecer
melhor o perfil do público-alvo que frequenta as oficinas. Na quinta parte
falaremos sobre o Objetivo-conteúdo que é a intenção da aula pra em seguida
vermos as características da ação e atividade de aprendizagem. Na sétima parte
é identificada a Avaliação da Aprendizagem e por fim é caracterizado o Processo
Artístico-Pedagógico.
Para
pesquisar as vivências, visões e planejamentos das ONGs, foi realizado um ciclo
de encontros com o dirigente Sr. Jorge Mendes e o instrutor Sr. Ciro Clemens da
ASFRAS – Associação Fraterna Ronda da Solidariedade e com o dirigente Sr. Henrique
Pereira e a instrutora Maria Daniela Teixeira da BALANÇA - Associação do
Projeto Social Black Show, foi também aplicada entrevista semi-estruturada,
diálogo e identificação de práticas que caracterizam o processo artístico
pedagógico e o papel do ensino de Artes nela.
2. Identificação
e apresentação das ONGs escolhidas: ASFRAS e BALANÇA
A quantidade de Organizações
Não-Governamentais (ONGs) que tentam de alguma forma promover a inclusão social
através de processos artísticos e educativos tem aumentando de forma
significativa no Brasil. Nessas Organizações, o ensino de Arte vem se destacando
como um dos componentes fundamentais. Então, é de extrema importância que
possamos com esse artigo acompanhar, investigar e refletir de que forma é
elaborado seu processo artístico pedagógico.
As Organizações Não-Governamentais (ONGs) são
associações da sociedade civil, sem fins lucrativos, que desenvolvem ações em
diferentes áreas e que, geralmente, mobilizam a opinião pública e o apoio da
população para melhorar determinados aspectos da sociedade. É interessante
ressaltar aqui nesse artigo que a criação de uma ONG começa com o interesse de
um grupo com objetivos comuns, disposto a formar uma entidade legalizada, sem
fins lucrativos, esses interessados deverão estabelecer os objetivos da ONG e
formar uma comissão para redigir um estatuto social. Depois da aprovação do
estatuto, é organizada a eleição que vai decidir o comando da entidade. É
realizado um pleito e depois oficializada a posse da diretoria. Para registrar
a entidade é preciso encaminhar a documentação da ONG ao cartório de Registro
Civil de Pessoas Jurídicas, pagar as taxas e registrar um livro de atas. Feito
tudo isso a ONG estará pronta assim para funcionar de forma plena.
A
primeira ONG escolhida para a execução da prática metodológica desse artigo foi
a ASFRAS – Associação Fraterna Ronda da Solidariedade, que possui duas sedes,
sendo a primeira situada na Rua Pacífico Pereira nº 26 no bairro do Garcia e a
outra sede na Rua dos Perdões nº 44-A no bairro Santo Antônio em Salvador/BA,
ela tem como maior representante o Sr. José Jorge Mendes Guedes que é o
Diretor-Geral e fundador da ASFRAS e entre os quatro instrutores atuantes foi
escolhido o Sr. Ciro Clemens que ministra a oficina de restauração de móveis e
imagens do Projeto RECUPERART que está em pleno vigor e tem como lema a
recuperação de jovens e adolescentes através da arte.
O
Grupo surgiu na cidade de Salvador, no bairro do Garcia, na comunidade do
Santuário de Fátima (Colégio Antônio Vieira) no dia 17 de junho de 1999. Nesses
quase 12 (doze) anos de existência, sua gestão se dá através de diretores,
voluntários e consagrados.
O
Grupo realiza ações emergenciais, como distribuição de sopa, mingau e café nas
ruas de Salvador. No bairro do Garcia promove encontros para a prevenção do
álcool e das drogas como também em relação a doenças sexualmente
transmissíveis, campanhas para reforma de barracos, distribuição de cestas
básicas, material de higiene pessoal e realização do Natal Solidário.
Tem como finalidade oferecer a cada um desses
adolescentes e jovens, um tempo de esperança para encontrarem a dignidade e
auto-estima perdida, a confiança da própria família, um trabalho e um futuro
melhor.
Segundo
o Diretor Geral da ASFRAS, o problema mais enfrentado hoje no bairro do
Garcia onde o grupo está inserido é o problema da violência gerada pelo tráfico
de drogas, onde se atinge de imediato a vida de adolescentes e jovens como
também a desestruturação familiar e a evasão escolar, gerando com isso
baixo-estima entre a comunidade.
Com
o projeto RECUPERA-ART, em parceria com as famílias, escolas e igrejas em um
trabalho de educação e formação humana, social, cidadã e de profissionalização
desenvolvido pela arte e música, se consegue despertar nesses próprios
adolescentes e jovens, um potencial que eles trazem dentro de si.
Acredita-se
entre os representantes da ASFRAS que faz-se necessário solucionar esse
problema porque a cada ano tem crescido de forma assustadora o número de jovens
e adolescentes, ceifados no pleno vigor de sua juventude pro chacinas de
traficantes e atos de violência que tem impressionado a todos, bem como suas
famílias destruídas, o projeto RECUPERA-ART “Construindo uma Cultura de Paz e
de Solidariedade” vem também ser um trabalho de prevenção contras as drogas e o
álcool.
A
segunda organização escolhida foi a BALANÇA que é conhecida na comunidade
assim, mas tem como nome jurídico Associação do Projeto Social Balança Black
Show possui sede e foro na cidade do Salvador, Bahia, a Rua Manoel Velho, 100,
Garcia.
De
acordo com o artigo 4 (quatro) de seu estatuto, para a consecução
de seus objetivos a Balança realiza, patrocina e promove exposições, cursos,
conferências, seminários, debates, congressos, conclaves de tipos e natureza
diversos, intercâmbio entre profissionais e entidades; promove o treinamento e
capacitação profissional de recursos humanos; promove campanhas de mobilização
e esclarecimento da opinião pública acerca dos objetivos dela mesma; presta
serviços e assistência técnica, acordos operacionais e/ou outra forma de
ajuste, com instituições públicas e privadas tanto nacionais quanto
internacionais no campo da pesquisa, elaboração, avaliação e implantação de
projetos, desde que voltados para os interesses da mesma; Atua junto aos poderes constituídos em âmbito federal,
estadual e municipal, visando aperfeiçoar ou implantar normas legais
pertinentes ao funcionamento do projeto, bem como estabelecer relações para o
patrocínio e divulgação do patrimônio histórico e cultural da BALANÇA; Firma contratos, convênios,
termos ou acordos com o Poder Público em todos os níveis para gestão e
gerenciamento de equipamentos culturais dentro de sua especialidade.
3.
O
ensino de Artes em ONGs
O estudo de arte se faz
necessário por acreditar que através da arte o ser humano torna-se mais
crítico, observador e sensível ao mundo que o rodeia, pois através da arte o
aluno pode expressar-se das mais variadas formas. A arte é uma forma de
expressão cultural que está presente na civilização desde as primeiras
manifestações do homem. Essas manifestações refletem em uma grande variedade de
representações artísticas que coexistem entre si através dos tempos, sendo
elas: pintura, escultura, teatro, dança, música, gravura, entre outras.
A evolução do homem refletiu
diretamente nas formas de arte. Podemos ter como exemplo as tintas usadas na
pré-história, onde o próprio “pintor” as extraia da natureza. Com o tempo e a
evolução os materiais usados para a produção de arte precisaram tornar-se mais
resistentes e práticos como é o caso das tintas industrializadas. A gravura,
que é uma das primeiras formas de impressão, é outro exemplo de forma de arte
que evoluiu através dos tempos.
Desde cedo, entramos em contato
com diferentes expressões artísticas que auxiliam no desenvolvimento de nossos
gostos e sentidos. As diferentes linguagens artísticas fazem parte dessas
expressões e participam direta ou indiretamente do cotidiano do ser humano. As diferentes
formas de arte são representações e expressões de acontecimentos que estão ao
nosso redor. Ao entrar em contato com essas produções compreendemos e participamos
através de seus diferentes modos de entendimento.
Pela arte, o indivíduo pode
expressar aquilo que o inquieta e o preocupa. Por ela, ele pode elaborar seus
sentimentos, para que haja uma evolução mais integrada entre o conhecimento
simbólico e seu próprio “eu”. A arte coloca-o frente a frente com a questão da
criação: a criação de um sentido pessoal que oriente sua ação no mundo. (DUARTE
JUNIOR, 2000, p.73).
Através da arte o indivíduo
pode se libertar da racionalidade, construir formas, descobrir a si próprio,
criar, sonhar. Pela arte é possível conseguir concretizar sentimentos e
experiências. A arte nos põe em contato ainda com realidades que de outra forma
não teríamos acesso por estarem mais distantes do nosso cotidiano, despertando
em nós sentimentos perante essas situações não vividas. Como comenta BARBOSA
(1999,
Neste caso é importante um
novo planejamento, específico para a cada turma e para cada atividade artística,
relacionando o conteúdo ao contexto. Conseguir associar materiais alternativos nas
formas de expressão artística também contribui para a formação de uma
consciência ambiental e para a quebra do paradigma referente aos suportes
padrões, como caderno de desenho e folha sulfite. Destaca-se a importância do
educador nesse processo de despertar a consciência para uma educação que
privilegie uma nova visão, opondo-se ao que já foi pré-estabelecido e
adequando-se às transformações contemporâneas.
Segundo seus dirigentes, procura-se
nessas 2 (duas) organizações um profissional em arte que tenha condições de
ministrar uma aula mais humanizada que desperte o interesse do aluno, levando-o
a reelaborar seus modos de pensar e a perceber melhor a realidade que os cerca,
contribuindo para a construção de um futuro melhor. Que tenha o compromisso de disponibilizar
oportunidades e mediar às formas de usá-las. O professor deve estar consciente
da importância de seu papel no desenvolvimento dos indivíduos e relacionar os
conteúdos propostos ao cotidiano deles.
Nesse contexto, esse artigo
apresenta diversos momentos com relatos de 4 pessoas inseridas no ensino
informal e que participam do processo artístico pedagógico delas, a seguir
veremos como se dá esse processo em
diferentes etapas.
4. ONG
e Comunidade
Nesse
momento foi analisada através de observação e entrevista semi-estruturada se o
processo artístico pedagógico é de fato determinado pelos atores que dirigem e
ensinam nas ONGs. No caso da ASFRAS o seu Diretor-Geral Sr. José Jorge Mendes
Guedes afirma que ele pode ser opinado e sugerido por qualquer voluntário,
aluno e até mesmo visitante da ONG, mas quem determina de fato esse processo é
apenas o instrutor.
Na
BALANÇA o dirigente Sr. Henrique Pereira relata que normalmente ele é
construído e determinado pelos dirigentes em parceria com os instrutores
chegando sempre a um denominador comum.
Quando
perguntada se é preocupação prioritária dos educadores tratarem de entender a
realidade social onde está sendo aplicado o ensino artístico os representantes
da ASFRAS responderam que existe a preocupação com o meio, pois eles visam
transformar a realidade local e que inclusive esse era um dos grandes objetivos
da ONG, mudar a realidade do bairro transformando vidas. Na BALANÇA ocorre
situação muito parecida, pois foi relatado que o sucesso das atividades estão
ligadas ao que acontece em seguida com seus alunos, pois além das tentativas de
encaminhamento dos seus alunos para o mercado de trabalho é registrado também ao
final de cada oficina o índice de satisfação de todos os atores envolvidos nela
para que fique como registro para melhoramentos futuros.
Em
relação ao envolvimento das duas ONGs com a comunidade, foram analisadas suas
relações com a realidade social para o qual o planejamento do ensino de Artes é
desenvolvido. Foi verificado que na ASFRAS ela é realizada de forma global e
abrangente examinando suas partes em relação ao todo, ou seja, as atividades
são geralmente propostas e oferecidas como sugestões, enquanto na BALANÇA é
feita de forma específica e de acordo com o perfil e necessidade de cada turma,
o que para a instrutora Maria Daniela Teixeira torna as turmas mais
compromissadas desde o seu início.
Ambas
as ONGs estão situadas no bairro do Garcia em Salvador/BA e com relação a sua
comunidade o aspecto mais levado em conta por elas é a necessidade que eles
conseguem identificar na comunidade através das diversas formas de comunicação
possíveis.
Em
relação ao contexto participativo da comunidade foi identificado que um aspecto
comum em relação ao meio na qual estão inseridas é o levantamento de dados que
eles conseguem identificar na comunidade através de diversas formas como:
reuniões de voluntários, de diretoria, assim como também reuniões e eventos
abertos para a comunidade, pesquisas com ex-alunos e interessados, e até mesmo
por meio de urnas como acontece somente na ASFRAS, na qual qualquer pessoa
interessada pode dar sugestões e dessa forma contribuir e participar do
processo pedagógico.
5. Retrato
Sócio-Cultural do Aluno
Esse
segundo momento que destaca a participação do público-alvo de cada oficina
artística das ONGs visou conhecer sua história e inquietações. Neste momento o
objetivo foi não só a simples identificação, mas a analise do público-alvo das
ONGs, ou seja, seus alunos.
Foi
visto como se inicia a estruturação de propostas de ação educativa, pois em
termos metodológicos a estruturação de propostas de ação educativa pode ser
desenvolvida também através de diálogo crítico envolvendo todos os
participantes diretos e inclusive os indiretos como pais e pessoas da
comunidade onde a ONG está inserida. O envolvimento desses elementos são
aspectos que diferenciam um dos objetivos desse artigo que é verificar como se
inicia o processo artístico pedagógico nessas duas Organizações escolhidas.
Ambas
as Organizações tem como perfil de atendimento adolescentes e jovens na faixa
etária dos 7 (sete) aos 21 (vinte) anos de idade que moram no bairro do Garcia
e adjacências, nota-se que a grande maioria dos inscritos não frequenta mais as
salas de aula das escolas públicas de ensino e ao ingressarem são incentivadas
a voltarem a estudar no ensino formal. Na ASFRAS o projeto tem em suas oficinas
cerca de 70% dos seus alunos do sexo masculino, enquanto na BALANÇA existe um
equilíbrio maior, sendo apenas 55% do sexo masculino, em ambos os casos existe
o intuito de conseguir envolver a família deles nas atividades de
apresentações, exposições e etc., que normalmente são realizadas ao fim de cada
oficina ministrada.
Foi
interessante e ao mesmo tempo gratificante notar, que mesmo não tendo uma
sistematização de participação do público-alvo em cada ONG, percebe-se a existência
de um diálogo crítico entre dirigentes, instrutores e alunos e que a partir daí
se inicia novos processos artísticos pedagógicos, tendo em vista que todos os
envolvidos no processo de aprendizagem fazem parte de um fenômeno
importantíssimo para novas ideias e rumos a serem tomados não só para quem
aprende, mas para quem ensina e coordena também.
6. Objetivo-Conteúdo,
a intenção da aula
Nos
momentos anteriores foram identificados quando e por quem os conteúdos
programáticos são definidos e visto também que eles são repensados de forma
crítica durante todo o processo do curso por ambas as ONGs. O objetivo desse
momento é constatar se o objetivo-conteúdo das oficinas está relacionado ao
contexto em que o seu público-alvo está inserido e se o planejamento de ensino
é realizado de forma sempre participativa, não havendo nenhum tipo de restrição
quanto a isso.
A
ASFRAS e a BALANÇA disponibilizaram informações a respeito de metodologias
utilizadas de forma sistêmica e por meio de projetos, sendo que cada projeto
articula o processo de fruição, reflexão e produção quando a linguagem
utilizada é de Artes Visuais, utilizando os subsídios teórico‐práticos por meio de
situações pedagógicas presentes nos momentos, seções e propostas de criação. Os
projetos de Artes Visuais nas duas ONGs têm como processo a leitura de imagens,
a sistematização do conhecimento e a experimentação de técnicas utilizadas na
elaboração de uma produção. Essa organização ocorre em cada projeto e de um
projeto com o outro, compondo um sistema que propõe o constante refletir sobre
questões e problemas éticos, estéticos e sociais da comunidade onde a ONG está
inserida por meio de situações práticas e simulações que se fazem e refazem durante
as atividades exercidas.
Destacam-se
quatro momentos articulados nas diversas linguagens artísticas utilizadas nas
oficinas de ambas as ONGs:
1. Leitura
ou interpretação (natureza, realidade construída, objetos e obras de arte):
destina‐se à fruição, apreciação,
interpretação de experiências vividas e possibilidades de representação;
2. Compreensão
e sistematização do conhecimento e conteúdo: tem como elemento a sequência de
situações pedagógicas, com o objetivo de levar o aluno a se apropriar do saber elaborado;
3. Experimentação
de técnicas e dos modos de produção na arte: visa levar o aluno a observar e a
experimentar os modos de composição, as técnicas e a produção artística;
4. Projeto
de criação: este é o momento do processo que visa à elaboração do trabalho
criativo, uma produção em que o aluno parte de hipóteses de criação,
reelaborando‐as
por meio da aprendizagem significativa e do processo criativo. No material,
essa etapa refere‐se
aos seguintes quadros: Ideia (registro das hipóteses de criação); Esboço
(estudo e desenvolvimento da proposta de criação) e Produção final.
Para
cada projeto, identifica-se que existem momentos ou seções que articulam as
dimensões do saber artístico e estético por meio do trabalho sistemático com o
conhecimento. Esses 4 (quatro) momentos se relacionam de maneira flexível,
pretendendo-se possibilitar a intervenção do instrutor e do educando na
organicidade do projeto. Mantém‐se,
diante de suas articulações, o desenvolvimento de aspectos cognitivo,
perceptivo, criativo e expressivo nas linguagens visual, musical e cênica pela
fruição, apreciação e reflexão do fazer, da leitura desse fazer e da sua
inserção no tempo.
Sobre a prática educativa com o ensino de
artes, conforme é abordado nesse artigo, Barbosa (2005) ressaltou como as ONGs
executam ações formativas com grande qualidade. Segundo a autora:
|
É importante destacar que a arte contribui
para a reconstrução pessoal e para a inclusão social, pois proporciona aos seus
beneficiários o fortalecimento da autoestima, o desenvolvimento da capacidade
cognitiva, permitindo o acesso aos bens culturais produzidos pela humanidade,
além de desenvolver habilidades e competências em modalidades artísticas
favorecendo a obtenção de atitudes positivas, possibilitando a inserção no
mercado de trabalho e, também, de fazer valer os direitos de todas as crianças
e adolescentes.
Nessas duas ONGs, geralmente o ensino de
artes está organizado na forma de oficinas artísticas, e tem como alguns de
seus objetivos principais: promover conteúdos teóricos específicos das
linguagens artísticas; aperfeiçoar as habilidades técnicas; conhecer técnicas e
materiais; promover a profissionalização e a inserção no mercado de trabalho;
promover sujeitos que sejam autores de sua própria história; promover o acesso
aos bens culturais e simbólicos; promover o desenvolvimento da autoestima e a
expressão com liberdade.
Segue abaixo um exemplo dado por cada
instrutor de como está programada a atual oficina ministrada por eles:
ASFRAS – Instrutor Sr. Ciro Clemens:
OFICINAS
|
CARGA HORÁRIA SEMANAL
|
DIAS DA OFICINA
|
ALUNO POR TURMA
|
NÚMERO DE TURMAS
|
MATERIAL PARA O ANO
|
PERÍODO DE REALIZAÇÃO DAS OFICINAS
|
Restauração de Imagens
|
4hs
|
Quarta
e
Sábado
|
15
|
2
|
Kit Recupera-art individual do Aluno
contendo
7 itens
|
Março
à Setembro
|
SAMBALANÇA – Instrutora Srª Maria Daniela:
OFICINA
|
CARGA HORÁRIA SEMANAL
|
DIAS DA OFICINA
|
ALUNO POR TURMA
|
NÚMERO DE TURMAS
|
MATERIAL PARA O ANO
|
PERÍODO DE REALIZAÇÃO DAS OFICINAS
|
Reciclagem
|
4hs
|
Seg.
Quarta
e Sexta
|
12
|
1
|
Kit reciclagem contendo 4 itens
|
Março
à Junho
|
7. Ação
e Atividade de Aprendizagem
Depois
de descobrir os objetivos de aprendizagem e os conteúdos programáticos das duas
ONGs foi aproveitado esse quarto momento para saber como eles são colocados em
ação, a investigação se deu com seus aplicadores, ou seja, seus instrutores
para se descobrir algumas características dessa etapa. Se por exemplo o
procedimento didático utilizado por seus aplicadores atende ao mesmo tempo a
estrutura do conteúdo programático e também das características de assimilação
do público-alvo, etc.
Foi
verificado também nesse momento de que forma a produção e reprodução de
conhecimento é feita, se é utilizando-se da prática da memorização e observação
para depois repetir ou se é feita no sentido da descoberta e redefinição do que
lhe é ensinado.
O
instrutor Sr. Ciro Clemens da ASFRAS e a instrutora Srª. Maria Daniela da BALANÇA
afirmaram utilizar a proposta triangular como metodologia utilizada em todas as
oficinas realizadas por eles.
A
proposta triangular de Ana Mae Barbosa citada por ambos os instrutores foi
criada em 1991, propõe conhecer a arte, ou seja, a história da arte,
possibilitando o entendimento de que arte se dá num contexto, espaço e tempo
onde estão situadas as obras de arte. Sugere apreciar a arte, ou seja, fazer a
análise da obra de arte, descobrir as qualidades da obra, desenvolver a
percepção visual e do mundo que está em redor do apreciador.
A
partir da apreciação, educa-se o senso estético, fazendo com que o aluno seja
capaz de julgar com objetividade a qualidade das imagens.
Fazer
arte, ou seja, o fazer artístico, possibilita aos alunos a criação de imagens
expressivas, experimentando os recursos da linguagem e as técnicas existentes
durante as aulas.
A
proposta triangular mostra a necessidade do ensino nas escolas, desde os
primeiros anos, por se tratar de um aspecto importante no desenvolvimento
cultural da população. A produção de conhecimento, a imaginação e a reflexão
transformam o ser humano. Através da arte o aluno aprende a se comunicar com
sua própria realidade e com a realidade do contexto que lhe for apresentado.
Além de facilitar o desenvolvimento psicomotor.
O
contextualizar, para Barbosa (2004), consiste em uma inserção no tempo,
colocando o artista estudado e suas obras em um meio social e cultural. Dessa
forma, a autora propõe que se trabalhe a contextualização nas aulas de Arte, em
um contexto próximo e relacionado com o do aluno.
Contextualização
histórica é a parte da disciplina, onde o arte - educador explica sobre os
movimentos artísticos. Apreciar significa ler, contudo desse ato espera-se
desenvolver a visão, o julgamento e a interpretação sobre as obras. Mesmo
sabendo que a percepção a uma obra de arte se difere de cada observador é
importante esse exercício para se valorizar o olhar crítico e subjetivo de cada
indivíduo.
O
praticar é colocado como um fazer artístico, como o proceder em um processo com
métodos e técnicas e que não deixa de contemplar, preferencialmente, a
criatividade. Ela relata que esse produzir evidencia no aluno todas as
possibilidades e limitações de sua linguagem plástica, sendo que as opiniões
devem ter argumentos que sejam válidos.
A
leitura é o processo de decodificação, compreensão e produção de significados.
Entende-se, portanto, que só é possível ler algo quando se conhece o código de
sua linguagem, pois, só se decodifica alguma coisa quando se tem domínio desse
código, porém para que se compreenda é preciso ir além da decodificação.
O
fazer artístico, denominado também de releitura, diz respeito ao ato de
experimentar a criação, tomando como referência a imagem lida. Esse ato não
deve ser confundido com a cópia, o fazer artístico ou releitura é então, o ato
de recodificação e atribuição de novos significados.
8. A
Avaliação da Aprendizagem
É
analisado nesse momento de que forma a avaliação nessas duas ONGs é
caracterizada, quando e onde ela começa, se é encarada como um processo, se é
proposto ou imposto, de forma direta ou indireta, conforme cada caso.
Em
ambas as organizações, a avaliação é realizada ao término de um conjunto de
atividades que compõe cada etapa da oficina, dando ao instrutor uma noção de
como a aprendizagem ocorreu.
São
utilizados diversos instrumentos de avaliação em comum nas Organizações, como
por exemplo:
·
Construções: bidimensionais e tridimensionais;
·
Esboços;
·
Apresentações por meio das linguagens
artísticas (artes visuais, música, teatro e dança);
·
Audições;
·
Montagens;
·
Escrita: relatos, descrições, análises,
composições;
·
Explanações/debates;
·
Leituras e releituras;
·
Pesquisas, entrevistas, visitas.
São utilizados também diversos critérios de avaliação em Artes como:
·
Criação de formas artísticas por meio de
poéticas pessoais;
·
Estabelecimento de relações com o trabalho de
arte produzido por sí mesmo, por seu grupo e por outros sem discriminação
estética, artística, étnica e de gênero;
·
Identificação dos elementos da linguagem
visual, musical, cênica e sinestésica em trabalhos artísticos e na natureza;
·
Conhecimento e apreciação de vários trabalhos
e objetos de arte por meio das próprias emoções, das reflexões e dos conhecimentos.
·
Valorização da pesquisa perante as fontes de
documentação, preservação, acervo e veiculação da produção artística.
·
Avaliação do
trabalho do aluno:
·
Avaliação da organização dos conteúdos.
·
Revisão da reelaboração do conhecimento
adquirido.
·
Inserção da ampliação dos sentidos e da
percepção na resolução de uma proposta de leitura, representação artística ou
criação.
9. Conclusão:
Caracterização do Processo Artístico-pedagógico
A
aplicação da entrevista com os 4 (quatro) representantes das duas organizações
escolhidas, além da observação e de diálogos contínuos com os mesmos e com
outros agentes das ONGs serviram para melhor analisar e caracterizar como se dá
o processo Artístico-Pedagógico nelas, foi identificado que existe participação
espontânea em todas as fases do processor e grande abertura de diálogo crítico
por parte dos dirigentes para a criação do mesmo .
No
espaço dessas 2 (duas) ONGs o ensino é caracterizado pela maneira diferenciada
de trabalhar. Não nota-se a intenção de substituir a escola, mas de agir
paralelamente a esta, estendendo suas ações educativas a dimensões que vão além
das oferecidas nos sistemas escolares. Na educação formal, sabemos que os
conhecimentos transmitidos são sistematizados e organizados em uma determinada
sequência, muitas vezes distantes da realidade dos alunos; nessas ONGs, como o
próprio dirigente da ASFRAS Sr. Jorge Mendes relata, os conteúdos são adaptados
às demandas específicas de cada grupo e essa transmissão do conhecimento
acontece de maneira não obrigatória e não há mecanismo de reprovação no caso da
não aprendizagem. O compromisso principal do ensino é com as questões
consideradas importantes para determinados grupos. Nas duas ONGs abordadas
nesse artigo, as aulas de arte são em formato de oficina, com carga horária
entre 4 e 6 horas semanais. Comumente, dispõem de salas apropriadas ou
adaptadas para cada modalidade de arte ensinada e o número de educandos em cada
oficina é menor em comparação à escola formal. Um dos fatores que chama atenção
também no ensino nessas ONGs é a existência de um grande empenho para que as
atividades sejam ensinadas de maneira envolvente, prazerosa, de maneira forma
que os alunos se mantenham atraídos e interessados.
O
público-alvo tem diversas necessidades e, por isso mesmo, demanda um trabalho
pedagógico cuidadoso voltado inclusive para a reconstrução pessoal e social que
são objetivos gerais das ONGs, fazendo aumentar a responsabilidade sobre os instrutores
com uma série de exigências. Segundo os dirigentes entrevistados de ambas as
organizações, podemos caracterizar os instrutores como profissionais que devem
possuir características específicas que vão além das qualidades
técnico-profissionais. Necessitam ter habilidade na relação com o outro,
identificação com o público-alvo, potencial de afetividade equilibrado que gere
respeito e ao mesmo tempo confiança, capacidade de agir com autoridade, mas sem
autoritarismo e espírito democrático para que dê exemplo. É indispensável que
seja flexível e tenha a disposição contínua de analisar criticamente o processo
de aprendizagem. Cobram-se, igualmente, um elevado grau de domínio técnico
específico das linguagens artísticas. Por exemplo, as crianças não querem
brincar de ouvir música, querem tocar, compor, formar bandas. Não querem se
entreter com jogos teatrais, querem representar, construir cenários, dançar,
pintar, esculpir, querem dominar bem as técnicas, querem produzir com qualidade
e é exatamente essa produção com qualidade que as leva a se sentirem capazes.
Há ainda o fato de que alguns dos educandos vislumbram a possibilidade de virem
a se ocupar profissionalmente dessas atividades. Portanto, os educadores devem
dominar bem os elementos que constituem seu campo de ensino.
À
medida que os educandos passam a dominar técnicas que lhes permitam manejar bem
os elementos construtivos de cada arte, a expressar suas idéias com
competência, tornam-se mais confiantes. A repetição sistemática de situações
nas quais sejam bem sucedidos faz com que modifiquem a maneira de se auto
perceberem. A autoestima é um aspecto bastante valorizado nessas duas ONGs
porque ela é ressaltada durante todo o tempo inclusive pelos próprios alunos e
de um modo geral, parecem incorporar novos valores por estarem participando das
oficinas artísticas. É como se a autoconfiança as estimulasse a buscar e a
desejar superar as barreiras que impedem sua inclusão social.
Vale
notar outra característica que considera-se muito importante, que é o fato de
que enquanto nas escolas institucionais as artes visuais são as mais presentes
nas salas de aula, nessas duas ONGs, pelo histórico de atividades que já foram
realizadas, as mais ensinadas são as que podem ser realizadas coletivamente,
como teatro, música, dança. Parece haver uma tendência entre os dirigentes de
se utilizar as modalidades artísticas que favoreçam a montagem de apresentações
que possam ser levadas a público.
10. Referências
CASTRO, M.G. et AL. Cultivando vidas desarmando
violência. Brasília: UNESCO; Brasil Telecom; Fundação Kellog; Banco
Internacional de Desenvolvimento, 2001.
CARVALHO, Lívia Marques. O ensino de Artes em ONGs:
Tecendo a Reconstrução Pessoal e Social. 2005. 143f. Tese (Doutorado em
Artes). Escola de Comunicação e Artes.
Universidade de São Paulo. São Paulo,
2005.
CARVALHO, Lívia Marques. O Ensino de Artes em ONGs.
São Paulo: Cortez, 2008.
FERREIRA, Sueli. O ensino das Artes: Construindo
Caminhos. Campinas: Papirus, 2001.
PORCHER, Louis. Educação Artística: Luxo ou Necessidade?
São Paulo: Summus, 1982.
[1] Graduando do Curso de Licenciatura em Artes Visuais da
Universidade Católica do Salvador (UCSAL), email: flamprado@hotmail.com
[2] Licenciada em
Educação Artística pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e-mail: iedaooliveira@gmail.com.br
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